Viajar no espaço e observar o planeta lá de cima é o próximo desafio do conhecido jornalista de ciência.
NASCEU NO Brasil, filho de pais portugueses, mas foi na Austrália que se tornou um dos mais importantes repórteres de ciência a nível internacional. Pelo caminho, conheceu Ramos-Horta e produziu um filme sobre a independência de Timor-Leste. Voltou agora a Portugal. E pode ser o primeiro português a viajar no espaço.
É do Funchal que atende o telefone, numa «casa cheia», avisa logo. O tom, despreocupado e feliz, deixa perceber a satisfação de quem há muito não sabia o que eram férias, menos ainda com a família toda.
Passando os olhos pelo extenso currículo de Wilson da Silva, jornalista premiado, fundador da Cosmos, a mais conhecida revista de ciência na Austrália, ex-presidente da Federação Mundial dos Jornalistas Científicos, esperava-se formalidade, mas Wilson tem no sotaque brasileiro o calor latino, misturando a cordialidade portuguesa com a descontração do samba.
O momento é de descanso, na Madeira, terra natal dos pais, que vivem entre Sydney e o Funchal. O plano é ficar uns meses, depois viajar pela Europa, fazer contactos, quem sabe, arranjar trabalho. Tem colaborado pontualmente como freelancer em jornais e revistas australianos, mas não planeia regressar tão cedo à Oceânia nem a um emprego a tempo inteiro.
«Na Austrália, já subi o mais alto que podia, sou peixe grande em lagoa pequena», diz a rir e sem falsas modéstias. Não sabe de cor quantos prémios já venceu, mas o número está online: trinta e uma distinções, sobretudo no jornalismo, mas também relacionadas com a sua incursão pelas artes cinematográficas. Já lá iremos. Antes de mais, queremos saber como é que um luso-brasileiro conquista a Austrália e se torna uma figura respeitada da cena internacional, mesmo que em Portugal seja difícil encontrar rasto do seu percurso.
Wilson da Silva nasceu em 1964, em Santos, São Paulo. O pai era de Câmara de Lobos e emigrara para o Brasil em 1962. No ano seguinte, levou a mulher e a família cresceu. O Brasil, contudo, não foi destino final: um tio de Wilson convenceu a família a mudar–se para a Austrália, que era «país de trabalhadores, não de donos», repetia sempre. Do outro lado do mundo, estaria a garantia de uma vida melhor.
Wilson aterra em Sydney com pouco mais de 8 anos e adapta-se sem dificuldade. A aptidão natural para as humanidades ajudou a que aprendesse o idioma rapidamente. Um ano depois de chegar até já tinha escrito uma peça de teatro, com 18 anos era autor de 11 peças, nove das quais foram representadas. Mas a dramaturgia era hobby, já sabia na altura que «não queria ser uma coisa só». O curso de Geologia foi deixado a meio: adorava ciência, mas não concebia passar o dia fechado num laboratório a espreitar pelo microscópio. Aconteceu então a epifania: e se conciliasse a ciência com o jornalismo? Só que a comunicação social já era um ramo complicado e para entrar «era preciso ou esperar que alguém morresse ou matar alguém», diz às gargalhadas.
Antes de arrumar definitivamente o projeto de vida e procurar novo interesse, soube que o conceituado Sydney Morning Herald estava a recrutar estagiários. Entre mil candidatos, Wilson ficou nos seis escolhidos. «Em Sydney, isto era o mesmo que trabalhar no The New York Times», recorda. Entra assim no jornalismo pela porta grande. Tinha 22 anos. Dali salta para o Canadá e estabelece-se em Toronto a trabalhar para a Reuters em diversas áreas, da política à tecnologia, e passa os dias a empurrar histórias de ciência na direção do editor, nem sempre com sucesso. Cinco anos depois, regressa à Austrália e continua a fazer currículo. Torna-se editor executivo da 21C, uma revista sobre o futuro com sede em Melbourne. Não aqueceu o lugar. Foi despedido por «dificuldades criativas», ironiza. Recorda ainda hoje o «banho de humildade». «Tornei-me editor e pensei que era o rei», confessa. «Senti-me como o Steve Jobs quando foi demitido da Apple».
Entretanto, começa a trabalhar para o jornal The Age, ainda em Melbourne, escrevendo sobre tecnologia. Torna-se correspondente da revista New Scientist, faz testes de câmara e entra também na Australian Broadcasting Corporation (ABC), a estação de televisão pública australiana, para fazer peças sobre ciência num programa semanal. Construía uma carreira no jornalismo científico, preparando as bases para aquele que havia de ser o seu grande projeto, já na década de 2000: a revista Cosmos.
Mas antes, há outra dimensão que se aprofunda no seu trabalho, em resultado de uma oportunidade que lhe chega precisamente por (também) ser cidadão português. Quando trabalhava para a Reuters, em Toronto, ainda na década de 1990, e porque nem sempre as suas sugestões científicas eram acolhidas, Wilson dedicava-se à cobertura das questões de direitos humanos e assuntos internacionais. Foi assim que chegou à fala com José Ramos-Horta e tomou conhecimento da resistência timorense, numa altura em que o país lutava pela independência e contra a ocupação indonésia. A luta de Timor-Leste aproximou-o da sua herança portuguesa e deu-lhe o incentivo para procurar saber mais sobre um país que, afinal, lhe era tão familiar.
De Ramos-Horta, guardou o contacto e a amizade, que lhe valeriam manchetes nos jornais australianos quando o timorense foi galardoado com o Prémio Nobel da Paz. Soube da notícia já na Austrália, pelo antigo editor da Reuters, que se recordava da sua ligação a Ramos-Horta e lhe ligou a meio da noite, porque o jornalismo não se compadece de fusos horários, pedindo-lhe que procurasse em Sydney a mãe de Ramos-Horta e tentasse obter do distinguido uma reação.
Acompanhou-o depois a Oslo, para a entrega do Nobel, e foi dessa viagem que nasceu a ideia para O Diplomata, filme que acabaria premiado pelo Australian Film Institute no ano 2000.Dirigida pelo australiano Tim Zubrycki, escrita e coproduzida por Wilson da Silva, a longa-metragem faz o relato fiel e verídico da jornada de Ramos-Horta na reta final da luta pela independência de Timor-Leste, seguindo o homem que trocara as armas pelo fato e gravata para «assegurar que o mundo não esquecia o desejo de liberdade de Timor», lê-se na sinopse. A ligação de Ramos-Horta a Wilson da Silva – que permanece – garantiu à equipa um acesso quase total à sua vida pública e privada no período que antecedeu o referendo que viria a confirmar a vontade de independência do povo timorense.
Apesar de levar a vida a acumular prémios de jornalismo científico, não nega que o reconhecimento obtido com O Diplomata teve um sabor especial. «Foi o prémio mais emocionante, o mais difícil. Quando comecei a fazer a cobertura da situação de Timor, senti que era um enorme fracasso, um desastre humano que estava a acontecer mesmo ao lado da Austrália.»
Ainda assim, divulgar a ciência acaba por ter também um caráter de missão. «Já fiz reportagens de economia, de diplomacia e a ciência é mesmo o mais difícil. Um dia escreve-se sobre uma nova descoberta ao nível do ADN, no dia seguinte é cosmologia, tem de se estar sempre a aprender tudo! Mas é importante que exista espaço para a ciência, deixar de o ter é um erro, mesmo nos jornais generalistas. Porque neste momento há alguém, algures num laboratório, a criar o amanhã de todos.
O jornalismo científico é o dever de ajudar o público a entender o futuro», diz. «Ao criar a Cosmos, a minha ideia central era essa. Sempre fui fascinado pela ciências mas era sobretudo a história da ciência que me atraía, mais do que a prática. Os cientistas são uma espécie de portugueses das Descobertas, sempre a empurrar a fronteira do saber».
A Cosmos começou em 2004. Antes disso, tinha estado na ABC, passara pela revista Newton, que não dava lucro suficiente, e fora desafiado por uma operadora telefónica a trabalhar na produção de conteúdos para dispositivos móveis, resultado da sólida e reconhecida experiência nas áreas da ciência e tecnologia. Porque não estava com vontade de se render ao grande capitalismo, disse-lhes que só aceitava o cargo por um salário astronómico. «E eles disseram que sim».
Trabalhou na empresa durante sete meses, o máximo que conseguiu aguentar. Quando saiu, tinha dinheiro para investir num projeto jornalístico próprio, assente numa escrita científica menos técnica e mais entusiasta. Fez um plano de negócios com Kylie Ahern, a ex-companheira que trabalhava na área da comunicação, e decidiram apresentá-lo ao neurocientista Alan Finkel, dono de um império na área da biotecnologia. A proposta foi feita em junho, «em novembro estávamos a comprar os computadores».
Foi então que Finkel lhe telefonou para dar conta de que tinha reservado quatro bilhetes na nave da Virgin Galactic, de Richard Branson, para si e para a família. Só que a mulher, a jornalista Elizabeth Finkel, estava assustada com a ideia de ir ao espaço e ele lembrara-se de oferecer o bilhete dela ao recente sócio da Cosmos, fascinado por astronomia.
«Quando ele me convidou, o meu cérebro dizia-me “responde que a oferta é demasiado generosa e não podes aceitar”. Mas dei por mim a responder logo um “absolutamente”», confessa a rir. Já fez testes dentro de uma bola de aço de trezentas toneladas, que girava para fazer sentir a força da gravidade aos futuros turistas espaciais, e está a aguardar a chamada para o voo que deverá acontecer, apesar dos sucessivos adiamentos, ainda em 2014. «Os astronautas dizem que é emocionante ver lá de cima o nosso planeta, tão frágil. Só de pensar, é algo que faz quase explodir o cérebro, já imaginou olhar para a Terra e pensar que tudo que aconteceu na nossa história foi lá em baixo?»
Apesar de ter nascido no Brasil, Wilson tem passaporte nacional. Por isso, pode ser o primeiro português no espaço. Está entre os primeiros cem e a ordem de partida será sorteada entre eles. Há hipótese de ir antes de Mário Ferreira, o empresário do Porto que pagou 136 mil euros pela viagem. «E eu sou um pé de chinelo que viaja de graça, madeirense, australiano e brasileiro. Mas gostava de levar algo português comigo, pelo simbolismo. Quem sabe, um pedaço de madeira das caravelas portuguesas dos Descobrimentos?»
Nos próximos tempos, Wilson promete ficar por perto: depois de ter tornado a Cosmos na mais importante revista mensal sobre ciência na Austrália, em 2013 decidiu deixar o cargo de editor executivo, esgotado pelas exigências de um negócio próprio e cansado de ver passar os anos sem os aproveitar. No Funchal, desfruta agora da companhia da filha de 9 meses, April Andrómeda.
Sim, tem nome de galáxia. Claro, foi o pai que escolheu.
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